terça-feira, 8 de dezembro de 2015


Fazer rir as criancinhas


Inês Teotónio Pereira, Ionline, 7 de Dezembro de 2015

Meus senhores, eleitos ou não, as nossas crianças contam convosco para se rirem: mostrar o ministro Mário Centeno não chega

Os meus filhos estão desiludidos com o PS. O PS, o partido com o qual eles sempre contaram para poderem rir em vez de estudar, afinal só acabou com os exames do 4.º ano. Apenas do 4.º ano. Não se faz. Isto revela uma notória falta de sensibilidade e um enorme desprezo pelo superior interesse da criança. E os outros exames e as outras crianças? Eu tenho filhos que vão fazer exames no 6.º e no 9.º e tenho outro que tem a legitima esperança de entrar em Medicina tendo em conta o apurado sentido de humor que tem, o facto de rir com os Monty Python e de até saber tocar viola.  Mas afinal só a minha filha é que se safou. Só ela é que não vai fazer exame.

«Porquê só o fim de um exame? Só um?»- perguntam eles entre a incredibilidade e o horror. Sentem-se traídos e com razão. Expliquei-lhes que os senhores do PC e do BE, que são agora quem decide as políticas de educação, acham que os exames do 4.º ano traumatizam e provocam stress nas crianças. «Mãe, o que é traumatizam, eu tenho isso?», perguntou um deles que há dois anos fez o malfadado exame. Sosseguei a criança assegurando-lhe que ele está bem, e que se salvou do trauma. Mas eles não se conformam e lutam comigo como se eu fosse do PS. Eu...?  A minha filha, de certeza fascista, diz que anda há três anos a preparar-se para o exame e quer fazê-lo. «Não tenho medo de apanhar o trauma», diz ela com a bravura dos incautos.  Outro, quer ver revogada a nota do exame que fez há dois anos invocando o princípio da igualdade: «Lá por eu ser rapaz não posso ser prejudicado». O outro diz que não quer fazer o exame do 9.º ano porque há muitos países da União Europeia, muito mais desenvolvidos do que o nosso, que não têm este exame.

«Os exames são um ataque ao modelo de educação que vigora em toda a Europa», denuncia. Aquele que vai fazer exames no 6.º diz que não se importa de fazer exames a Educação Física ou a Música, já que são disciplinas tão fundamentais quanto a Português e Matemática, mas tem receio que os exames a Matemática e a Português o traumatizem: «apesar de me ter salvo há dois anos não quero arriscar outra vez». O mais velho, esse, está a rever todos os episódios da série Modern Family e pôs o livro de Biologia à venda no OLX; diz que acredita na Catarina Martins e no comité central do PC e tem esperança que o jovem ministro da educação da FENPROF acabe com os exames de ingresso à universidade. «Era o mínimo que ele podia fazer pela qualificação dos portugueses. Para ser engenheiro bioquímico chega ter visto o Meaning of Life».

E é assim, neste ambiente visivelmente crispado e irremediavelmente dividido, que a minha família abraça o espírito de Natal. E é por tudo isto que apelo daqui ao novo governo, ao BE, ao PC e à FENPROF (perdoem-me o pleonasmo) que tomem medidas mais corajosas que vão de encontro à felicidade dos meus filhos. É como mãe que vos peço que não se fiquem pelos exames do 4.º ano: acabem com tudo. Os meus filhos têm o direito a serem médicos, arquitectos ou advogados sem que para isso tenham de fazer exames, testes ou provas. Eles não podem ser magoados por um sistema que os stressa com avaliações sumárias como se de fuzilamentos se tratassem. Eles são crianças, jovens, com direitos e um interesse superior em não estudar ou em serem avaliados. E acabem com a discriminação: porque é que as crianças de nove anos têm mais direitos que as de 11 ou de 13? Todas elas precisam de rir seja qual for a idade e nenhuma delas precisa de ser fechada durante uma hora numa sala de aula a responder a perguntas, vigiada por uma pessoa que não conhece e que a impede de copiar ou até de falar. Isto pode deixar marcas para a vida. E se se magoam com o lápis?

Mas não acabem só com os exames: também na matemática se ensinam coisas complicadíssimas e deviam ponderar a continuação desta disciplina que não faz ninguém rir. E o Português: para quê ensinar Português se todos os computadores têm correctores? Não, assim não pode ser porque é assim que caminhamos para o desastre e para o fim do Estado Social.

Meus senhores, eleitos ou não, as nossas crianças contam convosco para se rirem: mostrar o ministro Mário Centeno não chega.





Sem comentários: