segunda-feira, 24 de novembro de 2014


Os pais e o homem do saco


Inês Teotónio Pereira

Stressamos porque estamos viciados em pensar no pior, em dramatizar e em acharmos que a excepção é a regra

Todas as épocas têm a sua marca e a nossa é marcada pelo medo que domina os pais. Este medo, extrapolado pelo fascínio irracional que sentimos hoje pelas crianças, tolda-nos o juízo e eleva os nossos níveis de stresse para valores incomensuráveis. Mais que rir com os nossos filhos, preferimos preocuparmo-nos com eles. Estamos genuinamente convencidos de que a preocupação e a protecção excessivas representam todo o amor que lhes temos e justificam que estejamos em sobressalto constante com o presente e o futuro dos nossos filhos. Temos a ingénua pretensão de que felicidade, a protecção e o sucesso profissional dos nossos filhos dependem exclusivamente de nós e por isso achamos normal que o nosso bom desempenho como pais seja aferido pelas notas que eles têm, pelas actividades que eles praticam e pelos riscos que não os deixamos correr.

O facto de os nossos pais não nos terem tratado da mesma forma só quer dizer que estavam mal informados e que na verdade foi uma sorte termos sobrevivido a todas as escadas, esquinas de mesas em casa e aos predadores sexuais a caminho da escola. Nós, pelo contrário, somos muito cuidadosos, temos uma noção mais completa e informada dos perigos que os nossos filhos correm e sabemos de fonte segura que todas as actividades extra-curriculares que eles têm são a garantia de um futuro de sucesso. E quem não pensa assim não pode ser bom pai ou boa mãe.

Qualquer dos meus filhos já caiu pelas escadas abaixo, atirou-se da cama de grades, apanhou porcarias do chão e engoliu, partiu um braço, perna ou cabeça, teve infecções respiratórias e outras, bateu várias vezes com a cabeça nas esquinas das mesas, apanhou sustos no mar, caiu das árvores e de bicicleta e passou por muitas outras experiências dolorosas que eu nem sei e prefiro não saber. O facto de qualquer deles estar de boa saúde não quer dizer que tenham tido sorte, quer dizer que estão dentro da média: uma criança com menos de cinco anos em 1950 corria um risco cinco vezes superior de morrer de doença ou de acidente que qualquer dos meus filhos. Ou seja, nós stressamos porque estamos viciados em pensar no pior, em dramatizar e em achar que a excepção é a regra. E que os nossos filhos são, obviamente, a excepção.

Também em relação ao futuro dos nossos filhos somos pretensiosos. Segundo o «Economist», que cita o economista Bryan Caplan, da George Mason University, a nossa preocupação conta muito pouco para o futuro deles. Caplan fundamenta-se em várias investigações feitas em vários países que sustentam todos a mesma teoria: são os genes que fazem a diferença no destino financeiro e profissional, muito mais que a acção dos pais. Ou seja, o nosso fascínio pelas actividades extra dos nossos filhos com o objectivo de alcançar o modelo humano da era renascentista é um esforço inglório e o sucesso deles não depende totalmente de nós mas sim nos genes que eles herdaram. A boa notícia é que podemos finalmente relaxar e deixar a carga genética cumprir o seu destino.

É verdade que o nosso exagero não prejudica directamente os nossos filhos e que, obviamente, a grade no cimo das escadas assim como a exigência de um bom desempenho escolar são medidas de bom senso. Mas o excesso de preocupação e o medo que nos sobressalta todos os dias dá cabo da nossa saúde e transforma a nossa função de pais numa profissão muito pouco divertida e de alto desgaste. A nossa aversão ao risco e a nossa rendição ao medo faz com que estejamos mais vezes preocupados que descontraídos com os nossos filhos e mais vezes sérios que alegres com as suas vidas. Vivemos numa época estranha, em que são os pais que têm medo do homem do saco e não os filhos.





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