segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O bullying e os pais


Inês Teotónio Pereira

O bullying não é um problema dos nossos filhos, é um problema dos pais. Um problema dos pais das sandras e dos zés e um problema dos pais das vítimas.

O grande problema do bullying é que nós pais não sabemos lidar com o problema. Ficamos borradinhos de medo, temos pânico de parecermos mariquinhas, de parecermos paizinhos foleiros daqueles que fazem escândalos na escola só porque alguém gozou com o nosso menino, e não ligamos patavina ao bullying. Preferimos ignorar este estrangeirismo. O bullying, achamos nós, é uma modernice mariquinhas. E nós temos medo que alguém suspeite que somos pais mariquinhas. Temos pânico e vergonha de parecermos moles, tipo galinhas.

A teoria lusitana/marialva do bullying é estupidamente simples e perigosa, como tudo o que é marialva. Diz ela que os miúdos vão para a escola desde sempre e desde sempre na escola existem uns que são mais fortes do que outros. Desde sempre que na escola coabitam os caixas de óculos com os gordos, com os marrões, com os mariquinhas, com os betos, com os giros, com as feias, com as giras, com as oferecidas, com as graxistas, com os cómicos, com os chatos, com os populares, com os janados, etc. Desde sempre que é assim e crescemos todos: ninguém morreu. Crescer é mesmo assim: é sobreviver à selva da escola com mais ou menos nódoas negras, com mais ou menos correrias à casa de banho para chorar em segredo, com mais ou menos complexos, com mais ou menos dores de barriga de nervoso com medo do Zé Grande, com mais ou menos noites mal dormidas porque as lentes dos óculos são cada vez mais grossas, com mais ou menos pânico das aulas de ginástica porque a Sandra loira arrasa nos balneários. É assim e vai ser sempre assim. Os miúdos que se aguentem porque no nosso tempo já era assim e estamos todos muito bem obrigada.


Ora esta teoria, além de estupidamente simples é perigosa e preguiçosa. É estúpida porque não considera a hipótese de todos aqueles que já passaram por tudo isto poderem estar muito pior do que se não tivessem passado e perigosa porque relativiza cobardemente um fenómeno de violência. O bullying é violência no meio escolar que pode ser psicológica ou física. E o facto de existir desde sempre só torna o fenómeno ainda mais vergonhoso. As crianças sabem como ninguém resistir às adversidades, mais do que nós adultos, elas sabem sobreviver em ambientes adversos, têm uma capacidade de resistência exemplar. E é por isso que conseguem resistir ao bullying em silêncio. Interiorizam que o problema é delas e sofrem baixinho. Sem queixinhas, sem denúncias, sem processos judiciais. Calam--se e vão para a escola todos os dias aprender a viver com as rasteiras do Zé Grande e com as maldades da Sandra Loira. Vão para a escola aprender a ser valentes. Elas acham que são estas as regras do jogo: foi sempre assim.

O bullying, meus senhores, não é um problema dos nossos filhos, é um problema dos pais.

Um problema dos pais das sandras e dos zés das escolas e um problema dos pais das vítimas dos zés e das sandras. A nossa vida com os nossos filhos não é temporariamente interrompida enquanto eles estão na escola: quando eles estão na escola continuam a ser nossos filhos e continuam a precisar de nós, da nossa protecção, do nosso apoio e dos nossos conselhos. Prevenir o bullying é antes de mais perceber o fenómeno. Perceber que nós pais temos o dever de nos meter na vida dos nossos filhos: temos de perceber se eles gozam com alguém, com quem e porquê, e temos de perceber se eles são gozados e porquê. Como? Sim, dá trabalho. É preciso falar com eles, é preciso falar com os professores e é preciso conhecer os amigos. Perceber quem são os nossos filhos fora de casa dá um trabalhão dos diabos, mas não saber é abandoná-los durante grande parte da vida deles. E hoje em dia não é só na escola que estão os zés grandes e as sandras loiras: eles também estão em nossas casas dentro dos computadores. E aí, meus senhores, a maldade não é punida com faltas disciplinares. Sim, bullying é crime. E não fazer nada para o prevenir é, antes de tudo, trair os nossos filhos.





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