segunda-feira, 4 de novembro de 2013

«O meu pudor está acima
do dinheiro e do meu sonho»


María Luce Gamboni
Bastante educativa esta história de uma jovem cantora italiana! Ela tem dezoito anos e fora escalada para o papel principal num musical de David Zard, «talvez o maior produtor musical italiano». María Luce Gamboni seria a disputadíssima Julieta no espectáculo «Romeo & Giulietta – Ama e muda o mundo»Seria. Porque declinou o convite.

O motivo? Havia no espectáculo uma cena de semi-nudez. Num dado momento, Julieta teria que se apresentar usando uma roupa transparente. Rapidamente a jovem María Luce chamou o produtor e disse-lhe para procurar outra protagonista. Não quis sequer negociar, como se estivesse profundamente ofendida com a proposta indecorosa que lhe fora feita.

«O meu pudor está acima do dinheiro e do meu sonho», disse a jovem. E disse ainda uma outra verdade bastante esquecida nestes tempos em que a imodéstia dos espectáculos já se transformou numa coisa tão banal e corriqueira que ninguém mais se preocupa em questionar: «o canto é uma coisa, despir-se da roupa é outra coisa».

A história lembrou-me um outro desabafo que eu publiquei uma vez no Deus lo Vult!, há mais de cinco anos. Foi quando o brasileiro Pedro Cardoso disse que os actores eram obrigados a fazer pornografia. As palavras – actualíssimas – dele foram as seguintes:

«O personagem é justamente algo que o actor veste. Ao despir-se do figurino, o actor despe-se também do personagem, e resta ele mesmo, apenas ele e a sua nudez pessoal e intransferível».

E isto não é exactamente o ponto fulcral da queixa de María Luce? Ora, cantar é uma coisa, e ficar nua é outra coisa completamente diferente! A voz de uma jovem cantora não é melhor apreciada quando ela tira a roupa, bem pelo contrário. O mais provável é que a atenção seja atraída para o corpo despido e, diante dele, a beleza do canto passe despercebida. E a jovem italiana quer ser apreciada pelo talento que tem, e não pelas qualidades físicas com que a natureza a agraciou.

Porque isto não deixa de ser uma forma de apelação desnecessária, de coisificação da mulher – vista como um objecto sexual –, de sacrifício da arte nos altares da pornografia «soft», de erotismo descabido, de vulgaridade dispensável. Ora, o que importa o corpo da jovem Giulietta – ou, melhor dizendo, o corpo da jovem cantora que a está a representar, uma vez que despir-se do figurino é despir-se também da personagem – para a peça? Trata-se de um musical, e não de um ensaio fotográfico erótico!

É assim triste deparar-se com um meio artístico tão erotizado. Mas é ao mesmo tempo reconfortante ver que uma jovem ainda é capaz de perceber o inconveniente de certas exigências artísticas. E é ainda capaz de dizer «não». E de nos ensinar que há coisas mais importantes do que o sucesso. De nos ensinar que a realização pessoal não passa necessariamente pela fama, mas sim pela coerência com os próprios valores. Que o «pudor» – esta palavra que está tão fora de moda… – ainda é mais valioso do que o dinheiro.





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