quinta-feira, 7 de março de 2013

Pinhel, os indignados e eu

V. Figueira

Diz-se que Maria Antonieta, perante o povo de Paris que reclamava não ter pão, lhes recomendou que comessem brioches. A história não é bem assim, mas é ilustrativa de como a falta de consciência social pode levar à revolta do povo e à decapitação de alguns.

Sinceramente esta história ocorre-me a propósito da indignação do ex-presidente do BCP Filipe Pinhal e do movimento que lidera, os reformados indignados. Pinhal terá motivos para se indignar? Sem dúvida! Parece que a sua reforma de 70 mil euros ficou em 14 mil euros, sendo o resto «comido» pelo Estado. Pode o dr. Pinhal fazer da sua indignação uma bandeira e um movimento? Não! Porque essa é a demonstração da maior insensibilidade social. É ridiculamente absurdo.

Posso falar por mim. Ganho hoje menos do que há 20 anos, não estou reformado e trabalho talvez mais. Porque os impostos me atacaram, porque abdiquei de parte do meu salário, e porque a vida me trouxe até aqui. Isso cria-me problemas? Naturalmente. Cada um tem a sua vida mais ou menos organizada para o que ganha e é expectável ganhar. Posso indignar-me? É ridículo! Ganho mais que a larga maioria das pessoas, sou um privilegiado. E no fim disto, tomara eu ganhar metade dos 14 mil euros de que o dr Pinhal se queixa agora.

Estou muito longe de defender que o trabalho tem todo o mesmo valor ou de que todos deviam receber o mesmo. Mas estou também muito longe de achar que, em momentos de enorme crise, o esforço não deve ser – mais do que proporcional – exigido sobretudo aos que mais podem. E como última nota biográfica, direi que sou daqueles que nunca foi em cantigas de facilidade, pelo que não tenho uma única dívida a um banco.

Se politicamente posso responsabilizar muita gente pelo que me aconteceu, a mim e a tantos outros, sentir-me-ia mal por actuar apenas e no momento em que as consequências de décadas me chegam ao bolso! E é isso que este senhor e outros fazem. Foram patrões, líderes, altos quadros para ganhar dinheiro e viver à grande. São ratos quando chega a tempestade, não só não resistem como pensam nada ter a ver com o nosso passado colectivo.

O dr. Pinhal (e todos os magistrados, generais e quadros superiores que o acompanham numa acção indignada pela defesa de direitos adquiridos) é igual a um maquinista da CP, mas em versão rica! Daqueles que pensa que a política não é uma arte de compromisso entre a sociedade, mas uma dádiva da sociedade ao que cada um pensa ser o seu valor. Ou seja, que a política tem de estar ao serviço da prevalência do eu. Que o indivíduo, perante uma catástrofe, não pode perder direitos, nem regalias. Que mesmo olhando à volta e vendo legiões de desempregados, de famílias a perder as casas, de miseráveis sem comida, é incapaz de abdicar do muito que tem. É outro Jardim Gonçalves! E dizem-se católicos!

Quando estes senhores viviam à sombra do Estado e das offshores, indignei-me eu muitas vezes. Mas nunca lhes cobicei, nem cobiço a riqueza. Prefiro as noites tranquilas e a liberdade de lhes dizer na cara que são dos piores exemplos que uma sociedade que quer ser justa pode ter. Tenham vergonha (ou se preferirem uma expressão mais elegante, porque em inglês, shame on you)!



Sem comentários: