terça-feira, 15 de janeiro de 2013

«Acordo» Ortográfico:
Nem gregos nem troianos: assim-assim

Helena Buescu

Há dias, a Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, adiou a obrigatoriedade de implementação do «Acordo» Ortográfico para 2016. Fê-lo com base numa petição que reuniu 20 000 assinaturas. Em Portugal, uma igual petição reuniu mais de 130 000, e não teve qualquer eco. 130 000 assinaturas num país cuja população é incomparavelmente menor do que no Brasil.

Devemos aproveitar para reflectir seriamente sobre o «A»O e os seus efeitos em Portugal. O exemplo vem-nos, aliás, do próprio Brasil. Nesse país, os argumentos aduzidos apontam para críticas de ordem científica ao «A»O. E junta-se a essas críticas o argumento da necessidade de uma «maior simplificação» da ortografia da língua portuguesa. Além de que por exemplo o linguista Evanildo Bechara assegura que o «A»O precisa de ser revisto. Revisto – e nem ainda entrou em vigor! Isto diz bem da consistência científica de um dos maiores atentados feitos à língua portuguesa.

Naturalmente, este adiamento sublinha a bondade das críticas feitas ao «Acordo», mostrando que nem em Portugal nem no Brasil (nem nos outros países lusófonos, que mostraram grandes reticências, sendo que Angola ainda não o ratificou) ele conseguiu um consenso mínimo em termos científicos.

A grande questão, agora, é saber se realmente há base científica para que algum dia ele venha a existir. Com este ponto suplementar: a partir do momento em que várias declarações, no Brasil, apontam para a necessidade de uma maior «simplificação» da língua portuguesa, o que se impõe perguntar em Portugal é: queremos nós, em Portugal, «simplificar» (seja o que for que isto queira dizer!) a língua? Ou privilegiamos (legitimamente também) a história da língua portuguesa na Europa, guardando por exemplo alguns traços etimológicos da sua origem e evolução ao longo dos séculos?

Simplificando a pergunta: haverá base, em termos de uma política científica do Português, para um acordo que não parece agradar nem a gregos nem a troianos? A resposta talvez seja: «Assim-assim». Em Portugal, é sob esta fórmula que se costuma esconder a falta de coragem e a aceitação tristonha do império da realidade, quando mais vale não pensar.

Em 2016, eis um cenário muito possível: Angola manterá a ortografia existente anterior ao «Acordo». Portugal seguirá, se não conseguir inverter o statu quo, o pobre «acordês». E o Brasil terá entretanto revisto e certamente «melhorado» o «Acordo», escrevendo numa terceira ortografia. Resumindo: cada qual escreverá de sua maneira, e ter-se-á esfrangalhado a ortografia comum que, até agora, era seguida por todos os países lusófonos, com excepção do Brasil. Ou seja: será um verdadeiro «acordo português», em que ninguém sabe acordar.


.

Sem comentários: