domingo, 26 de fevereiro de 2012

Afinal, quem nos representa?


Pedro Afonso


Portugal mudou muito nos últimos anos. Uma dessas mudanças foi realizada através da aprovação da lei que legalizou o aborto até às dez semanas, na altura suportada por uma ideologia política auto-intitulada de progressista. Entretanto houve eleições e muitos esperavam que algumas destas questões ideológicas fossem discutidas novamente por um governo que se deveria diferenciar do anterior não apenas no plano das políticas económicas, mas também na visão do mundo. Enganaram-se, pois, aqueles que julgavam que a alternância política levaria a que fosse discutida a estrutura legislativa entretanto criada sobre esta matéria. O desapontamento tem sido maior quando vários dos actuais ministros assumiram publicamente a sua fé católica; portanto, assumindo-se pró-vida.

Na verdade, nada mudou. Enquanto Espanha, com o novo governo de Rajoy, já deu sinais claros de que iria alterar a lei do aborto, assumindo corajosamente que defender a vida é uma medida verdadeiramente progressista, entre nós absolutizam-se os números e venera-se a troika, como se de um bezerro de ouro se tratasse. Neste contexto, a troika serve como cortina de fumo para que um grupo político prossiga de forma imparável com a sua pacotilha legislativa extremista. A recente lei sobre barrigas de aluguer mostra bem a sua actividade fervilhante e o desejo insaciável de prosseguir com experimentalismos sociais no campo da família e da vida humana.

Entretanto o PSD e o CDS andam a reboque desta agenda frenética, sem assumirem posições claras, numa vacuidade de ideias ordenadas, recorrendo a argumentos sinuosos e ambíguos, defraudando expectativas e sem capacidade para representarem muitos milhares dos seus eleitores. Ou seja, enquanto a esquerda revolucionária vai fazendo a sua guerra munida de um paiol inesgotável de munições ideológicas, a direita complexada parece apenas aspirar manter-se no «palácio do poder», saboreando uma influência ilusória e renunciando negligentemente propor uma sociedade alternativa. Conclui-se, portanto, que este políticos creem erradamente que aquilo que mobiliza um povo não são os princípios e a ideologia, mas apenas os números e a criação de riqueza. Ora, ninguém morre por um negocio, mas há quem ofereça a sua vida por um ideal.

Muitos daqueles que outrora combatiam pela defesa da vida no seio do activismo da sociedade civil, uma vez integrados nos partidos e ocupando agora altos cargos no Estado, parece que se esqueceram das suas convicções; caíram num estranho silêncio, transformando-se aparentemente nuns tecnocratas, iguais a tantos outros. Os partidos políticos não podem mostrar desprezo pelas convicções de muitos milhares dos seus eleitores, aos quais convenientemente em tempo de eleições lhes solicitam o voto para depois não lhes dar nada em troca. O descontentamento aumenta em círculos restritos, e vai-se alargando aos poucos, pois muitos vão compreendendo que é chegado o tempo de os eleitores exigirem representatividade aos políticos. E este ressentimento é imparável.

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